O mandato do FMI é salvaguardar a estabilidade do sistema monetário e financeiro internacional, e os criptoativos estão alterando profundamente o sistema.
Os criptoativos e produtos e serviços associados cresceram rapidamente nos últimos anos. As interligações com o sistema financeiro também estão aumentando. As autoridades se esforçam para monitorar os riscos desse setor em evolução, no qual muitas atividades não são reguladas. De fato, acreditamos que esses riscos para a estabilidade financeira podem em breve se tornar sistêmicos em muitos países.
Medidas regulatórias não coordenadas podem facilitar fluxos de capital potencialmente desestabilizadores.
Embora a capitalização de mercado de quase US$ 2,5 trilhões indique um valor econômico significativo das inovações tecnológicas subjacentes, como o blockchain, pode também refletir a euforia num ambiente de sobrevalorização. Com efeito, uma das primeiras reações à variante ômicron foi a venda de um volume expressivo de criptoativos.
Os criptoativos e seus riscos para o sistema financeiro
A determinação do valor não é o único desafio no sistema dos criptoativos: identificar, monitorar e administrar os riscos são tarefas difíceis para as autoridades regulatórias e as empresas – por exemplo, os riscos para a integridade operacional e financeira em decorrência das bolsas e carteiras de criptoativos, a proteção dos investidores, a insuficiência de reservas e a divulgação de dados imprecisos sobre algumas stablecoins. Além disso, nos mercados emergentes e economias em desenvolvimento, a ascensão dos criptoativos pode acelerar o que chamamos de “criptonização”, que ocorre quando esses ativos substituem a moeda nacional e contornam as restrições cambiais e medidas de gestão da conta de capital.
Esses riscos salientam as razões pelas quais precisamos de normas internacionais abrangentes que abordem de forma mais completa os riscos para o sistema financeiro decorrentes dos criptoativos, seu ecossistema associado e suas transações, mantendo um ambiente propício ao uso de produtos e aplicações ligados aos criptoativos.
O Conselho de Estabilidade Financeira, na sua função de coordenação, deve formular um quadro global que inclua normas para a regulação dos criptoativos. O objetivo deve ser proporcionar uma abordagem ampla e coordenada à gestão dos riscos para a estabilidade financeira e a conduta do mercado, que possa ser aplicada com uniformidade nas diferentes jurisdições, minimizando o potencial de arbitragem regulatória ou a migração das atividades para jurisdições com regras mais brandas.
A eficácia das abordagens nacionais é limitada pelo alcance transfronteiriço e intersetorial dos criptoativos. Os países estão adotando estratégias bastante diferentes, e as leis e regulamentos atuais talvez não permitam abordagens nacionais que abranjam todos os elementos desses ativos. Um dado importante é que muitos provedores de serviços de criptoativos operam além de suas fronteiras, o que dificulta ainda mais o trabalho de supervisão e fiscalização. Medidas regulatórias não coordenadas podem facilitar fluxos de capital potencialmente desestabilizadores.
Os órgãos normativos responsáveis por diferentes produtos e mercados oferecem graus variados de orientação. O Grupo de Ação Financeira, por exemplo, emitiu orientações sobre uma abordagem baseada no risco para mitigar os riscos à integridade financeira decorrentes dos ativos virtuais e seus provedores de serviços. A atuação de outros órgãos normativos varia de princípios gerais para alguns tipos de criptoativos até regras para mitigar a exposição a riscos das entidades sob supervisão, além da criação de redes de intercâmbio de informações. Embora úteis, esses esforços não são suficientemente coordenados para formar um quadro mundial de gestão dos riscos para a integridade financeira e de mercado que assegure a estabilidade financeira e a proteção dos consumidores e investidores.
Garantir a eficácia da regulação no plano internacional
O quadro regulatório global deve assegurar a igualdade de condições ao longo do espectro de atividades e riscos. Acreditamos que tal quadro deve, por exemplo, conter esses três elementos:
- Os provedores de serviços de criptoativos que exercem funções críticas devem ser licenciados ou autorizados. Essas funções abrangem armazenagem, transferência, liquidação e custódia de reservas e ativos, entre outras, com regras similares às que se aplicam aos prestadores de serviços financeiros. Os critérios de licenciamento e autorização devem ser claramente articulados, as autoridades responsáveis devem ser claramente designadas e os mecanismos de coordenação entre elas devem ser bem definidos.
- Os requisitos devem ser adaptados para os principais casos de usos de criptoativos e stablecoins. Por exemplo, os requisitos sobre produtos e serviços para investimentos devem ser similares aos que se aplicam a operadores e corretores de valores mobiliários, sob a supervisão da autoridade regulatória de valores mobiliários. Os requisitos sobre produtos e serviços para pagamentos devem ser similares aos que se aplicam a depósitos bancários, sob a supervisão do banco central ou da autoridade de supervisão de pagamentos. Qualquer que seja a autoridade inicial para a aprovação de produtos e serviços ligados aos criptoativos, é preciso que haja coordenação entre todas as autoridades de supervisão – de bancos centrais a supervisores bancários e de valores mobiliários – para abordar os diversos riscos decorrentes dos usos variados e em evolução.
- As autoridades devem instituir requisitos claros às instituições financeiras sob supervisão em relação a sua exposição e envolvimento com os criptoativos. Por exemplo, as autoridades regulatórias de bancos, valores mobiliários, seguros e pensões devem estipular os requisitos de capital e liquidez e limites de exposição aos diferentes tipos desses ativos, e exigir avaliações dos riscos e da idoneidade dos investidores. Se as entidades sob supervisão prestarem serviços de custódia, deve-se esclarecer os requisitos para lidar com os riscos envolvidos nessas funções.
Alguns mercados emergentes e economias em desenvolvimento enfrentam riscos mais graves e imediatos da substituição de moedas por criptoativos, a chamada criptonização. As medidas de gestão dos fluxos de capitais terão de ser aperfeiçoadas em função dessa tendência, uma vez que o uso de ferramentas regulatórias estabelecidas para a gestão dos fluxos de capitais pode ser mais complexo quando o valor é transmitido por meio de novos instrumentos, novos canais e novos prestadores de serviços que não são entidades reguladas.
Urge promover a colaboração e cooperação transfronteiras para abordar os desafios tecnológicos, legais, regulatórios e de supervisão. Definir uma abordagem regulatória ampla, coerente e coordenada para os criptoativos é uma tarefa colossal. Mas se começarmos agora, podemos alcançar o objetivo de política de manter a estabilidade financeira sem deixar de colher os benefícios das inovações tecnológicas subjacentes.
Os criptoativos podem estar transformando profundamente o sistema monetário e financeiro internacional. O FMI formulou uma estratégia para continuar a cumprir seu mandato na era digital, e trabalhará em estreita colaboração com o Conselho de Estabilidade Financeira e outros membros da comunidade regulatória internacional para desenvolver uma abordagem eficaz para a regulação dos criptoativos.