A mudança climática está agravando a insegurança alimentar em toda a África subsaariana, onde a escassez de alimentos e os aumentos dos preços também são exacerbados pela guerra na Ucrânia e pela pandemia.
Os fenómenos climáticos, que destroem as culturas e perturbam o transporte de alimentos, são agora invulgarmente comuns na região. Um terço das secas no mundo ocorrem na África subsaariana, com a Etiópia e o Quênia a enfrentar uma das piores secas em pelo menos quatro décadas. Em Angola, os efeitos da seca afetaram o país pelo quinto ano consecutivo.
Esta situação, que se traduz num aumento da pobreza e outros custos humanos, é agravada por efeitos macroeconômicos em cascata, incluindo a desaceleração do crescimento econômico. Um novo documento de política elaborado pelo FMI examina de que forma as políticas e reformas fiscais e financeiras, como a transferência de tecnologia, podem ajudar a reduzir esses efeitos adversos.
Na África subsaariana, os suprimentos e os preços dos alimentos são particularmente vulneráveis à mudança climática devido à falta de resiliência da região a fenómenos climáticos, à sua dependência da importação de bens alimentares e à intervenção excessiva do governo.
A maioria da população vive em comunidades agrícolas e pesqueiras rurais sem capacidade financeira para construir as infraestruturas necessárias para protegê-las de condições meteorológicas adversas. Por exemplo, menos de 1% da terra arável está equipada com sistemas de irrigação, deixando as populações à mercê da chuva para regar suas culturas.
A produção nacional de alimentos, sensível às condições climáticas, coloca a região numa situação de forte dependência das importações, com cerca de 85% dos produtos adquiridos fora da região. Consequentemente, a inflação, impulsionada por choques climáticos nas regiões importadoras, é transmitida aos consumidores, tal como o aumento dos custos de transporte causado por fenómenos climáticos. Os altos custos associados à importação de bens alimentares podem deteriorar as reservas internacionais e pesar sobre as taxas de câmbio, contribuindo para uma aceleração da subida dos preços.
Nesse contexto, os governos muitas vezes tentam ajudar intervindo na produção agrícola e na distribuição de alimentos. Essas intervenções são normalmente ineficientes e pesam sobre os orçamentos nacionais, contribuem para o aumento dos preços dos alimentos, comprometem a concorrência e reduzem a renda das culturas. Por exemplo, o controle de preços e a aplicação de processos regulatórios extensos e demorados contribuem para a escassez ao desencorajar a produção, o armazenamento e o comércio de bens alimentares. Da mesma forma, os subsídios para fertilizantes e sementes promovem uma exploração excessiva dos recursos e limitam a diversificação das culturas.
Por outro lado, a implementação de medidas específicas pelo Governo pode apresentar vantagens, nomeadamente se visam aumentar a resiliência e produtividade agrícola do país através do apoio a pesquisa e desenvolvimento.
Dadas as restrições em matéria de financiamento e capacidade, será crucial priorizar as políticas que melhor protejam os pobres.
Políticas fiscal e monetária
Para proteger o sistema de produção e distribuição de alimentos contra fenómenos climáticos, é preciso investir primeiro em infraestruturas resilientes ao clima. Esse tipo de investimento público não só cria empregos como é suscetível de mobilizar investimento privado.
A energia solar, por exemplo, pode ser usada para facilitar a irrigação, o acesso à água e o controle de temperatura de alimentos armazenados. Igualmente impactante é a barreira anti-inundações que garante a proteção de portos e estradas críticas à distribuição de alimentos.
A digitalização também desempenha um papel crucial. Permite aos agricultores acessar sistemas de alerta precoce, usar uma conta bancária móvel e outras plataformas digitais para comprar fertilizantes, sementes ou vender produtos. Por exemplo, a Twiga Foods, uma plataforma móvel de fornecimento de alimentos sedeada no Quênia, aumentou as receitas dos agricultores e melhorou o acesso dos consumidores a alimentos de qualidade, conectando pequenos produtores a grandes fornecedores. A Astra Aeriel Agroservices, uma startup também sedeada no Quênia, ajuda os agricultores a usar drones para inspecionar e pulverizar culturas.
As transferências sociais monetárias que são direcionadas e de longo alcance ajudam as populações a comprar comida e a reconstruir as suas vidas após a ocorrência de choques climáticos. Também permitem que famílias e pequenas empresas invistam em equipamentos e tecnologia suscetíveis de reforçar a resiliência dos países. Ao oferecer às pessoas o controle do apoio que recebem, essas transferências monetárias são mais eficazes na contenção das desigualdades do que os subsídios agrícolas.
O acesso ao financiamento dos mercados privados pode desempenhar um papel semelhante à assistência social. A angariação de fundos privados requer o desenvolvimento dos mercados financeiros, um processo que se pode revelar moroso. Entretanto, o microfinanciamento e as parcerias público-privadas podem ajudar na concessão de créditos a pessoas que atualmente não têm acesso através do sistema bancário.
Nesse sentido, é importante estabelecer garantias através da realização de progressos nos direitos de propriedade. Com o apoio do Banco Mundial, Moçambique e a Tanzânia estão expandindo os registros de títulos e pesquisas e desenvolvendo serviços digitais de administração de terras. No Gana, foi lançado um projeto-piloto que usa a tecnologia blockchain para completar ou regularizar registros de terras.
Reformas estruturais com boa relação custo-benefício
A liberalização do comércio pode ajudar a estabilizar a oferta e os preços dos alimentos na região. As grandes colheitas de milho na Zâmbia, por exemplo, poderiam ter ajudado a compensar as carências em outros lugares da África Austral, se não fosse a proibição de exportar as culturas.
O acesso a mercados de maior dimensão pode promover o investimento em redes de produção agrícola e cadeias de valor. Também pode ajudar a disseminar conhecimentos (por exemplo, como plantar culturas resistentes à seca) e estimular a concorrência. O Acordo de Zona Livre de Comércio Continental Africana constitui um passo positivo nessa direção. Foi assinado por 54 países e abrange a maioria dos bens e serviços.
As organizações de produtores dotadas dos meios adequados podem alcançar comunidades agrícolas remotas vulneráveis ao clima. Isso ajudaria a difundir novas tecnologias, como dispositivos digitais de controle de pragas e sementes de alto rendimento que toleram o calor e a seca. Essas tecnologias iriam também melhorar a formação sobre adaptação climática e as informações de mercado. A consolidação da produção e a venda direta ao consumidor podem melhorar o poder de negociação, o que, por sua vez, reduz os custos de armazenamento, prolonga os contratos, amplia as margens de lucro e abre portas para novos mercados.
Ao agilizar e melhorar os regulamentos, adaptando-os ao contexto local, os governos podem ajudar os agricultores a tornar-se mais resilientes. Por exemplo, a introdução de regulamentos que enquadram o consumo de água permite reduzir o custo necessário para os agricultores estabelecerem e expandirem sistemas de irrigação. Na mesma linha, o registro eficiente de sementes, como é o caso no Quênia, pode multiplicar o fornecimento de sementes e o acesso a sementes resistentes. Por fim, os requisitos de teste, rotulagem e registro de fertilizantes ajudam os agricultores a acessar fertilizantes sem contaminantes e adaptados a choques climáticos, solos e culturas específicos.
O financiamento de programas, o desenvolvimento de capacidades e a transferência de tecnologias e conhecimentos serão fundamentais para apoiar as políticas descritas acima. Com o aumento da dívida e os limites à subida de impostos, os países da África Subsaariana precisarão de donativos e financiamentos concessionais. Os parceiros de desenvolvimento também podem apoiar estudos que visam melhorar a resiliência dos países na região e promover programas de educação financeira e sobre a mudança climática.
O FMI está apoiando os países nesses esforços, inclusive ao oferecer assessoria em gestão das finanças públicas orientada para o clima e instrumentos de crédito, como nosso Fundo Fiduciário para a Resiliência e a Sustentabilidade Este novo instrumento ficará em breve operacional e proporcionará um financiamento de longo prazo e acessível de pelo menos US$ 45 bilhões para enfrentar a mudança climática e outros desafios.
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Laurent Kemoe
Cedric Okou
Pritha Mitra é chefe de missão para o Malawi e Subchefe de Divisão no Departamento da África do FMI. Em suas posições anteriores no FMI, liderou as atividades de supervisão regional para o Oriente Médio e Norte da África, trabalhou em vários países de mercados emergentes na Europa em crise e em países de mercados emergentes e de baixa renda na Ásia e na África, bem como na elaboração de políticas para países de baixa renda. Também trabalhou como perita principal em preços de transferência para Arthur Andersen em Nova York e doutorou-se em Economia pela Universidade Columbia.
Ceyla Pazarbasioglu é Diretora do Departamento de Estratégia, Política e Revisão (SPR) do FMI. Nessa função, lidera o trabalho de direcionamento estratégico do FMI e de formulação, implementação e avaliação das políticas da instituição. Além disso, supervisiona as interações do FMI com organismos internacionais, como o G-20 e as Nações Unidas.
D. Filiz Unsal é Economista do Departamento de Estratégia, Políticas e Avaliação do FMI. Antes disso, trabalhou no Departamento de Estudos do FMI e no Departamento da Ásia e do Pacífico. É titular de um doutoramento em Economia, bem como de um mestrado em Economia e Finanças pela Universidade de York. Os seus trabalhos de pesquisa incluem políticas monetárias e macroprudenciais, bem como o desenvolvimento financeiro de países emergentes e de baixa renda