As medidas incluem treinamento profissional, créditos fiscais para trabalhadores de baixa renda, incentivos à infraestrutura verde e ao investimento em P&D e um imposto sobre o carbono.
O consenso sobre a necessidade de construir uma economia mais verde costuma esbarrar nas preocupações com a possível perda de postos de trabalho. Uma coisa é concordar que é preciso reduzir a dependência dos combustíveis fósseis. Mas com que facilidade um mineiro de carvão poderia, digamos, passar a trabalhar com a instalação de painéis solares?
A resposta não causa surpresas: para alguns trabalhadores, a transição será difícil. Mas também há boas notícias. Com uma combinação adequada de políticas, os países devem conseguir atingir emissões líquidas zero de gases do efeito estufa até 2050 e, ao mesmo tempo, atenuar as dificuldades dos trabalhadores em setores intensivos em emissões, como o de serviços públicos. Segundo nossa análise recente, publicada no capítulo 3 do World Economic Outlook do FMI, tais políticas incluem programas de treinamento profissional e investimento em tecnologias verdes.
Como atingir a meta de emissões
Limitar o aumento da temperatura média mundial a bem menos de 2 graus Celsius em relação aos níveis pré-industriais – uma meta endossada pelas autoridades econômicas no Acordo de Paris de 2015 – exigirá uma redução formidável nas emissões líquidas de gases do efeito estufa. Essa transformação verde também implicará em mudanças no mercado de trabalho, com a migração de postos de trabalho entre setores e ocupações. Mas a magnitude global dessa mudança não será necessariamente tão drástica como poderia parecer.
A nossa análise mostra que, nas economias avançadas, um pacote de políticas destinado a colocar a economia em uma trajetória de emissões líquidas zero até 2050 deslocaria cerca de 1% do emprego de setores de emissão mais alta para outros de emissão mais baixa ao longo da próxima década. Esse deslocamento seria maior nos mercados emergentes: cerca de 2,5%. Mesmo assim, esses números são inferiores aos da transição da indústria para os serviços, ocorrida nas economias avançadas a partir de meados da década de 1980 e que afetou quase 4% dos postos de trabalho em cada década.
A nossa análise mostra que parte do motivo pelo qual as transformações do emprego nas economias avançadas podem ser pequenas é que apenas uma minoria dos postos de trabalho têm intensidade ecológica – ou seja, melhoram a sustentabilidade ambiental (como na engenharia e eletrotecnologia) – ou intensidade de poluição – ou seja, são predominantes em setores altamente poluentes (como em fábricas de papel). A maioria dos empregos é neutra – nem verde nem poluente.
Salários mais altos nos empregos mais verdes também poderiam facilitar a transição. Em nossa análise das economias avançadas, constatamos que empregos com intensidade ecológica pagam cerca de 7% a mais do que a média dos empregos altamente poluentes, mesmo após controlar os efeitos de variáveis como qualificações, gênero e faixas etárias. É uma boa notícia, já que esse prêmio poderia atrair trabalhadores para os empregos mais verdes.
Políticas para facilitar o ajuste
Não obstante, os trabalhadores ainda podem enfrentar dificuldades significativas durante a transição. Com efeito, os dados sugerem que é difícil se tornar mais verde. Nossa análise estima que a probabilidade de uma pessoa passar de um trabalho poluente para um trabalho com intensidade ecológica é entre 4% e 7%.
As chances são um pouco melhores para passar de neutro para verde: de 9% a 11%. Em contrapartida, a possibilidade de encontrar um emprego verde se seu trabalho anterior também era verde é muito maior, entre 41% a 54%. Isso não significa que trabalhadores em setores altamente poluentes não têm chances de encontrar um emprego mais verde, mas podem precisar de alguma ajuda.
Isto explica por que é tão importante formular políticas trabalhistas que contribuam para alterar o equilíbrio no sentido de empregos mais verdes e facilitar a transição para os trabalhadores. O objetivo é ajudá-los a encontrar empregos mais verdes, oferecendo programas de treinamento, e reduzir os incentivos para permanecer em ocupações mais poluentes. Isso inclui a eliminação gradual das políticas de apoio à manutenção de empregos implementadas no início da pandemia, à medida que a recuperação se firme, pois tais políticas podem reduzir os incentivos para a mudança de emprego.
Voltamos, assim, ao pacote de políticas que, segundo nossa análise baseada em modelos, pode ajudar as economias a atingir emissões líquidas zero até 2050. Ele tem quatro elementos:
- Um impulso inicial ao investimento em infraestrutura verde e em P&D a partir de 2023, com a redução gradual dos gastos a partir de 2028, a fim de apoiar um pequeno aumento da produtividade em setores com menos intensidade de emissões.
- Um imposto sobre emissões de carbono, com aumentos graduais a partir de 2023 e um aumento mais acentuado de 2029 em diante. Isso eleva o preço relativo dos produtos mais intensivos em emissões e estimula o crescimento dos setores menos intensivos.
- Um programa de treinamento para ajudar os trabalhadores menos qualificados a se transferir para setores mais verdes, com início em 2023. O treinamento ajudaria a solucionar as preocupações distributivas, ao melhorar a produtividade dos trabalhadores de menor qualificação em setores de emissões baixas, estimulando as empresas a contratá-los e aumentar seus salários.
- Um crédito tributário sobre a renda auferida (EITC, sigla em inglês), que reduza os impostos devidos pelos trabalhadores de menor renda. Ele teria início em 2029 e compensaria o impacto do imposto sobre o carbono para esses trabalhadores. Além disso, estimularia mais pessoas a ingressarem na força de trabalho.
Estimamos que, para a economia avançada representativa, o pacote de políticas gere uma realocação de mão de obra para os setores mais verdes de cerca de 1% ao longo de 10 anos. Também aumenta o emprego total em 0,5% e impulsiona a renda líquida do imposto de renda dos trabalhadores menos qualificados, reduzindo as desigualdades.
Mercados emergentes
O impacto seria um pouco diferente nas economias de mercados emergentes, em que uma proporção maior de trabalhadores está empregada em setores como a mineração. O pacote geraria uma transição de 2,5% da força de trabalho ao longo de 10 anos. No curto prazo, haveria um aumento geral no emprego, à medida que os investimentos verdes começassem a produzir efeito, seguido de um declínio de 0,5% a partir de 2032.
Além disso, nas economias emergentes geralmente há uma parcela maior de empregos nos setores informais, onde o imposto de renda nem sempre é pago. Dessa forma, o pacote teria de ser complementado com transferências diretas em dinheiro para os trabalhadores de baixa renda a partir de 2029, juntamente com a implementação do EITC e do imposto sobre o carbono.
Medidas de políticas são fundamentais para incentivar a transição para uma economia com emissão líquida zero até 2050. Corretamente programadas e implementadas, estas medidas podem facilitar a transição para empregos mais verdes de um segmento relativamente pequeno da força de trabalho, em simultâneo ao aumento da capacitação e da renda dos trabalhadores com salários mais baixos e à redução das desigualdades. Isso assegurará que a trajetória para uma economia mais verde seja também inclusiva.
—Este blog, baseado no capítulo 4 do World Economic Outlook, “A Greener Labor Market: Employment, Policies, and Economic Transformation”, também reflete os estudos de Diaa Noureldin, Ippei Shibata e Marina M. Tavares.
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John Bluedorn é Subchefe da Divisão de Perspectivas da Economia Mundial no Departamento de Estudos do FMI. Anteriormente, foi economista sênior da Unidade de Reformas Estruturais, membro da equipe do FMI para a área do euro no Departamento da Europa e trabalhou na elaboração do relatório World Economic Outlook como economista, contribuindo para diversos capítulos. Antes de ingressar no FMI, lecionou na Universidade de Southampton, no Reino Unido, após receber uma bolsa de pós-doutorado na Universidade de Oxford. Já publicou sobre uma série de temas em finanças internacionais, macroeconomia e desenvolvimento. É doutor pela Universidade da Califórnia em Berkeley.
Niels-Jakob Hansen é Economista na Divisão de Estudos Econômicos Internacionais do Departamento de Estudos do FMI. Contribui para os capítulos do World Economic Outlook. Anteriormente, trabalhou no Departamento da Ásia e do Pacífico e no Departamento Financeiro do FMI. Participou de missões na Coreia, Camboja, República Tcheca e San Marino. Trabalhou também em questões relacionadas às finanças do FMI. Seus campos de estudo incluem questões referentes a mercados monetários e de trabalho. Teve artigos publicados no Review of Economic Studies. É doutor em Economia pelo Instituto de Estudos Econômicos Internacionais da Universidade de Estocolmo e mestre em Economia pela Universidade de Cambridge.