(foto: Natalya Denisova/iStock by Getty Images) (foto: Natalya Denisova/iStock by Getty Images)

Tornar o aluguel residencial acessível parte da recuperação da Europa

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Mesmo antes da pandemia, muitos trabalhadores de lojas ou restaurantes que viviam em uma grande cidade da Europa tinham que gastar mais da metade da renda de suas famílias com aluguel. Durante a pandemia, muitos deles viram sua renda cair, aumentando a parcela destinada a esse gasto. Dado que locatários de baixa renda e jovens tendem a trabalhar com mais frequência em setores de contato intensivo ou a ter empregos precários, são necessárias políticas públicas para garantir que essas famílias não fiquem para trás à medida que as economias se recuperam da crise da Covid-19.

Tendências preocupantes

Durante a última década, a moradia de aluguel ficou menos acessível em muitas economias europeias. Nosso estudo recente de 17 economias avançadas na Europa mostrou que uma família típica gastava cerca de 25% de sua renda em aluguel em 2018, enquanto uma família jovem gastava quase um terço. No caso de uma família nos 20% inferiores da distribuição de renda, a parcela necessária para o aluguel era muito maior: 40%.

No geral, este valor (40%) é o limite para que uma família seja considerada como sobrecarregada pelo pagamento do aluguel. O fato de que, em 2018, cerca de metade ou mais dos inquilinos de baixa renda estavam nessa situação em quase três quartos dos países analisados é chocante. As taxas eram particularmente altas entre os jovens de 16 a 29 anos e nas grandes cidades. Entre 2013 e 2018, em algumas capitais, como Lisboa, Dublin, Madri, Reykjavik, Estocolmo e na Cidade de Luxemburgo, o aumento dos preços dos alugueis foi várias vezes superior à evolução desses preços em cada país.

Ao contrário do que ocorreu com os locatários, o custo de moradia para os proprietários caiu desde 2014. Um locatário típico gasta mais de uma vez e meia o que um proprietário gasta em habitação em termos da renda disponível. E, como mostram as barras verdes do gráfico, esta discrepância aumentou cerca de 4 pontos percentuais entre 2011–13 e 2016–18, em particular para os mais pobres – aqueles nos 20% inferiores da distribuição da renda. Isto significa que os proprietários de imóveis colheram o benefício direto das baixas taxas de juros durante este período, mas os locatários, não.

Razões por trás das crescentes pressões de acessibilidade dos alugueis

Nossa análise conclui que o aumento do produto econômico não se traduziu em ganhos de renda disponível capazes de compensar suficientemente o aumento dos custos dos alugueis, sobretudo para as famílias de baixa renda. Além disso, a maior urbanização, a transformação estrutural no sentido de empregos altamente qualificados em serviços e uma maior incidência do turismo aumentaram as pressões de acessibilidade para os locatários, em especial os de renda mais baixa. Em outras palavras, as famílias mais pobres não têm conseguido colher muitos dos benefícios de suas economias em transformação e em crescimento.

A pandemia provavelmente está agravando a situação

Muitos locatários são particularmente vulneráveis à crise da Covid-19, porque é mais comum trabalharem em setores de contato intensivo, estarem no início de suas carreiras e terem pouca segurança no emprego, geralmente com menos acesso ao trabalho remoto. A previsão é que levem vários anos para recuperar sua renda, e um retorno ao normal provavelmente levará mais tempo para aqueles que precisam fazer a transição para novos setores. Custos de aluguel mais baixos compensariam parte dessas perdas, mas até agora essa redução foi mais observada em alguns locais turísticos e, principalmente, em imóveis de alto padrão. Também é difícil saber até que ponto as mudanças de comportamento que poderiam moderar os alugueis são generalizadas e duradouras. Por conseguinte, é provável que as tendências de divergência econômica e desigualdade que já existiam antes da pandemia se intensifiquem.

Políticas para tornar o aluguel residencial mais acessível

A acessibilidade dos alugueis é uma questão difícil devido à complexidade das políticas de habitação. Tais políticas muitas vezes cobrem múltiplos objetivos, como acessibilidade econômica, equilíbrio na regulamentação das relações entre proprietário e inquilino e a igualdade de acesso a oportunidades, entre outros.

Em geral, políticas eficazes devem incluir esforços que aumentem as oportunidades de renda a longo prazo para as famílias de baixa renda e os jovens, para que estes se beneficiem da transformação estrutural da economia.

A mais poderosa ferramenta de política com efeito imediato é elevar os níveis e a cobertura do auxílio aluguel transferível, que pode ser utilizado de forma flexível em todos os locais. Esta medida oferece implantação rápida e direcionamento eficaz. Ela proporcionaria apoio durante e após a recuperação e reduziria as despesas de aluguel das famílias de baixa renda em qualquer local do mercado privado.

Os governos também devem lançar iniciativas que aumentem a oferta de habitação popular para aliviar a pressão da demanda de forma mais permanente. Em particular, poderiam investir mais em habitações sociais para aluguel – moradia com aluguéis subsidiados – sobretudo em locais onde a oferta tem diminuído e é baixa. Também poderiam ajustar os incentivos financeiros, por exemplo, tributando imóveis vazios e transferindo alguns auxílios à habitação de áreas que favorecem proprietários de alta renda para investimentos privados no desenvolvimento de moradias para aluguel.

Na União Europeia, os recursos do pacote Next Generation EU proporcionam uma oportunidade para se investir em habitação social e infraestrutura pública como parte da estratégia de recuperação da pandemia. Um maior investimento em habitação apoiaria o crescimento inclusivo, criando empregos, promovendo moradia com alugueis mais acessíveis e facilitando o acesso a empregos em todos os locais.

A pandemia deve agravar a acessibilidade econômica a moradias para aluguel e as tendências de desigualdade que já existiam antes da Covid-19 atingir a Europa. Os governos precisam intensificar urgentemente os esforços para evitar que os locatários de baixa renda e os jovens fiquem mais para trás.

Este blog baseia-se em um documento conjunto de Khalid Elfayoumi, Izabela Karpowicz, Jenny Lee, Marina Marinkov, Aiko Mineshima, Jorge Salas, Andreas Tudyka e Andrea Schaechter.

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Alfred Kammer é Diretor do Departamento da Europa do Fundo Monetário Internacional desde agosto de 2020. Nessa função, supervisiona o trabalho do FMI com a Europa.

Anteriormente, foi Chefe do Gabinete da Diretora-Geral, assessorando a Diretora em questões estratégicas e operacionais e supervisionando as operações da equipe da Direção-Geral. Foi também Subdiretor do Departamento de Estratégia, Políticas e Avaliação, supervisionando o trabalho sobre a estratégia e a política de supervisão do FMI; Subdiretor do Departamento do Oriente Médio e Ásia Central, supervisionando a evolução econômica e as questões do setor financeiro da região; Diretor do Gabinete de Gestão da Assistência Técnica, assessorando a Direção-Geral nas operações de assistência técnica e supervisionando a captação de recursos e parcerias globais para capacitação; e Assessor do Subdiretor-Geral. Além disso, atuou como representante residente do FMI na Rússia. Desde que ingressou no FMI, trabalhou com países da África, Ásia, Europa e Oriente Médio, e numa ampla gama de questões estratégicas e de política econômica.

Andrea Schaechter é assessora do Departamento da Europa do FMI. Tem mais de 20 anos de experiência no FMI, onde recentemente foi chefe de missão para a Espanha e liderou um programa apoiado pelo FMI para a Romênia. Também trabalhou no Departamento de Finanças Públicas, inclusive como autora principal da publicação Monitor Fiscal, e nos Departamentos de Mercados Monetários e de Capitais e da África. Antes de ingressar no FMI, passou dois anos na Comissão Europeia, atuando na Direção-Geral de Assuntos Econômicos e Financeiros. É doutora em economia pela Universidade de Würzburg, Alemanha.

Andreas Tudyka atua no Departamento da Europa do FMI, como principal economista interno para a República Tcheca. Anteriormente, ocupou cargos internos nas equipes da Estônia e Letônia e atuou nos departamentos de Finanças Públicas e do Oriente Médio e Ásia Central do FMI, onde trabalhou em programas apoiados pelo FMI para o Afeganistão e o Paquistão. Tem contribuído para a supervisão multilateral por meio de vários estudos analíticos. Seus interesses de pesquisa incluem política fiscal, vínculos macrofinanceiros e econometria aplicada às séries temporais.