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O Acordo de Paris adotado durante a COP-21 para limitar as emissões de gases do efeito estufa foi um marco importante para enfrentar a ameaça das mudanças climáticas. Contudo, diante de sinais cada vez mais inequívocos de que a atividade humana está desestabilizando o clima e a biosfera da Terra, as autoridades terão de fazer muito mais. A natureza intrinsecamente compartilhada dessa ameaça põe em relevo a necessidade de estreitar e aprofundar a cooperação internacional para preservar o hábitat em que a vida humana floresceu.
William Nordhaus, que na próxima semana receberá o Prêmio Nobel por seu trabalho no campo da economia ambiental, escreveu em 1977 :
Ao contemplar o curso futuro do crescimento econômico no Ocidente, os cientistas estão divididos entre um grupo que soa o alarme (“Olha o lobo!”) e outro que nega a existência dessa espécie. Uma preocupação persistente é que as atividades econômicas humanas atingiriam uma escala em que o clima global seria afetado significativamente. Ao contrário dos muitos alarmes falsos, este, na minha opinião, deve ser levado muito a sério.
Quatro décadas depois, o lobo está batendo à porta.
Em retrospecto, 2018 foi um ano marcado por ondas de calor, incêndios florestais e tempestades de grande intensidade. Dezessete dos 18 anos mais quentes já registrados ocorreram desde 2000 , e 2018 não fugirá a essa regra. Enquanto isso, as emissões de gases do efeito estufa continuam aumentando.
No entanto, os sinais visíveis da pressão sobre o ambiente natural causada pela atividade humana vão muito além desses eventos relacionados ao clima. Outros aspectos importantes do clima e da biosfera da Terra estão sob grande estresse. As florestas tropicais estão encolhendo. As calotas polares estão recuando à medida que os oceanos se aquecem, e os recifes de coral estão desaparecendo à medida que os oceanos se acidificam. O escoamento de fertilizantes injeta um volume excessivo de fósforo e nitrogênio nas bacias hidrográficas, danificando os ecossistemas de água doce e costeiros. Os microplásticos estão entrando nos alimentos e na água potável. A biodiversidade do nosso planeta está implodindo. O Fundo Mundial para a Natureza (WWF) estima que 60% dos animais vertebrados foram exterminados desde 1970, e a densidade de insetos está diminuindo em algumas áreas a um ritmo alarmante .
Os cientistas nos dizem que corremos o risco de cruzar fronteiras planetárias fundamentais que definem os limites ambientais dentro dos quais a civilização humana conseguiu se desenvolver. Possíveis pontos de inflexão significam que esses limites poderiam ser rompidos de forma inesperada, abrupta e irreversível. E o tempo é um fator fundamental. O Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática da ONU adverte que temos pouquíssimo tempo para agir e evitar um desastre climático. Os riscos foram ressaltados na mais recente avaliação climática nacional dos Estados Unidos , bem como nas novas projeções climáticas do governo do Reino Unido.
Do ponto de vista dos economistas, essas rupturas planetárias ocorrem porque as empresas e as famílias não levam em conta como suas atividades prejudicam o meio ambiente; no nosso jargão, diríamos que a atividade econômica costuma gerar externalidades negativas. Em princípio, os impostos que obrigam as famílias e as empresas a pagar os custos de seus danos colaterais ao meio ambiente podem compensar essas externalidades. Mas as externalidades ambientais mundiais são complexas, o que justificaria a aplicação de um conjunto mais amplo de políticas , como políticas regulatórias e financeiras, por exemplo.
Um ponto crucial é que, como as externalidades que afetam o clima e a biosfera não respeitam as fronteiras nacionais, as políticas devem refletir os danos em nível mundial e não apenas local. Isso torna improvável que políticas nacionais unilaterais sejam suficientes — mesmo supondo que possam superar os obstáculos políticos internos. A cooperação multilateral também se faz essencial.
O multilateralismo ajuda os países a levar em conta o bem-estar daqueles que estão além de suas fronteiras, sabendo que outros países estão fazendo o mesmo. Foi esse espírito que motivou o avanço na COP-21 em 2015: nos termos do Acordo de Paris, os países se comprometeram a limitar a bem menos de dois graus centígrados o aumento das temperaturas em relação aos níveis pré‑industriais. E esse mesmo espírito imbui os esforços atuais para implementar e fortalecer o acordo, o que exige a transição para uma economia de carbono zero nas próximas décadas.
Há motivos para ser otimista: o multilateralismo produziu êxitos notáveis. A OCDE e as instituições financeiras de Bretton Woods, juntamente com as sucessivas rodadas de liberalização do comércio no âmbito do GATT e depois da OMC, apoiaram sete décadas de prosperidade, com uma substancial convergência da renda dos países mais pobres. A cooperação internacional para a estabilidade financeira por meio do processo de Basileia e do Conselho de Estabilidade Financeira ilustra como o “direito indicativo” pode ser eficaz. A cooperação internacional em saúde produziu grandes conquistas, como a erradicação da varíola em 1980 e, mais recentemente, outras melhorias significativas na saúde em muitos países de baixa renda no contexto dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio . Os acordos para limitar os testes e a proliferação de armas nucleares assentam no mesmo princípio de evitar situações em que todos saem perdendo.
Mesmo antes do histórico Acordo de Paris, houve importantes êxitos multilaterais em prol do meio ambiente. Um marco pioneiro foi a Convenção sobre poluição atmosférica transfronteiriça a longa distância, firmada em 1979 e ampliada por uma série de protocolos, um deles sobre as emissões de óxidos de enxofre e de nitrogênio. Em 1987, os 46 países que firmaram o Protocolo de Montreal concordaram em eliminar gradualmente as substâncias que destroem a camada de ozônio. Esse acordo, que hoje abrange 197 signatários, ajudou a reverter a queda das concentrações de ozônio na atmosfera sobre a Antártida.
O que a comunidade global pode fazer para enfrentar a crise ambiental, sobretudo quando parece cada vez mais difícil os países chegarem a uma conclusão unânime? Uma opção seria organizar “coalizões de vontades” ou clubes que ofereçam benefícios mútuos (por exemplo, a circulação mais fácil de pessoas) em troca de uma ação ambiental mais incisiva.
Essa abordagem poderia até se apoiar em mecanismos existentes de multilateralismo econômico. Vários acordos comerciais — como o Acordo Abrangente e Progressivo de Parceria Transpacífica e o Acordo Estados Unidos–México–Canadá — já contêm capítulos exigindo o rigor na aplicação das leis ambientais nacionais. Estender essa abordagem poderia ajudar a promover medidas ambientais internas mais vigorosas. Por exemplo, acordos plurilaterais ou de massa crítica dentro da OMC poderiam exigir que os países membros tomassem medidas mais ambiciosas para reduzir as emissões de gases do efeito estufa. Nesse espírito, o acordo comercial entre a União Europeia e o Japão anunciado em julho de 2018 foi o primeiro em que os signatários se comprometeram a cumprir o Acordo de Paris.
Outro exemplo é a Força-Tarefa sobre Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima , criada em 2015 a pedido dos líderes do G-20 no âmbito do Conselho de Estabilidade Financeira, que tem como objetivo dar mais visibilidade aos riscos financeiros relacionados ao clima, para que os mercados precifiquem esses riscos e os investidores financeiros os administrem. Essa é outra maneira de atribuir preços às externalidades ambientais.
Por último, dentro das suas atribuições e dos recursos humanos disponíveis, cabe ao FMI ampliar seu trabalho na área de supervisão e mitigação de danos ambientais. O FMI poderia até monitorar o cumprimento de alguns aspectos dos acordos ambientais internacionais.
O planeta corre perigo e, por isso, precisamos de mais ideias que fujam do convencional. Na próxima semana, enquanto transcorre a COP-24 e o Professor Nordhaus é merecidamente agraciado com o prêmio Nobel por suas contribuições, devemos refletir sobre seus alertas prescientes e sua visão clara sobre a necessidade de uma solução multilateral.
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Signe Krogstrup é Assessora no Departamento de Estudos do FMI, onde se ocupa de projetos de pesquisa sobre política monetária, fluxos internacionais de capital e desequilíbrios externos. Antes de ingressar no FMI em 2016, foi pesquisadora visitante no Peterson Institute for International Economics e Diretora Adjunta e Subdiretora de Análise de Política Monetária no Banco Nacional da Suíça. Também trabalhou para as Nações Unidas em Beirute e lecionou no Graduate Institute em Genebra. Publicou numerosos trabalhos sobre uma ampla gama de questões de política econômica.
Maurice Obstfeld é o Conselheiro Econômico e Diretor do Departamento de Estudos do FMI, destacado da Universidade da Califórnia, Berkeley, onde é professor de economia (“Class of 1958”) e antigo diretor da Faculdade de Economia (1998-2001). Professor em Berkeley desde 1991, ocupou anteriormente o cargo de professor titular na Universidade de Columbia (1979-1986) e na Universidade da Pensilvânia (1986-1989), e de professor-convidado em Harvard (1989-90). Recebeu o seu doutoramento em economia no MIT em 1979, depois de frequentar a Universidade da Pensilvânia (licenciatura, 1973) e o King’s College, Universidade de Cambridge (mestrado, 1975).
De julho de 2014 a agosto de 2015, Obstfeld foi membro do Conselho de Consultores Econômicos do Presidente Obama. De 2002 a 2014, ocupou o cargo de consultor honorário do Instituto de Estudos Econômicos do Banco do Japão. É também membro da Sociedade Econométrica e da Academia de Artes e Ciências dos Estados Unidos. Recebeu, entre outras, as seguintes distinções: o prêmio Tjalling Koopmans da Universidade de Tilburg, o prêmio John von Neumann do Rajk Laszlo College of Advanced Studies (Budapeste) e o prêmio do Instituto Bernhard Harms da Universidade de Kiel. Tem participado em diversas conferências de renome, incluindo a conferência anual Richard T. Ely da Associação Econômica Americana, a conferência L. K. Jha Memorial do Banco da Reserva da Índia e a conferência Frank Graham Memorial da Universidade de Princeton. Obstfeld foi membro da Comissão Executiva e Vice-Presidente da Associação Econômica Americana. Atuou como consultor e ministrou cursos no FMI, assim como em inúmeros bancos centrais de todo o mundo.
É também coautor de duas obras fundamentais sobre economia internacional, International Economics (10.ª edição, 2014, com Paul Krugman e Marc Melitz) e Foundations of International Macroeconomics (1996, com Kenneth Rogoff), assim como de mais de uma centena de artigos sobre taxas de câmbio, crises financeiras internacionais, mercados mundiais de capitais e política monetária.